segunda-feira, agosto 11, 2014

Clara e Francisco: um encontro que acende!


     Francisco já havia feito um caminho de seis anos após a sua conversão quando transformou em realidade a vertente feminina do franciscanismo: A Ordem das “Pobres Damas”. Clara chegou para confirmar a sua conversão. Uma mulher sempre fecunda a idéia de um homem e faz tornar-se concreto aquilo que num homem é apenas sonho. Clara fez do sonho de Francisco caminho e comunidade, igualando-o na via da perfeição.

     Temos que resgatar as palavras de Omer Englebert, em sua Vida de São Francisco de Assis: “Clara possuía grande bom senso, um coração afetuoso e fiel, uma doce e prudente obstinação, uma coragem que não recuava diante de nada. Tinha o dom de fazer-se amar e era tão persuasiva que Francisco, os cardeais e os papas acabavam cedendo ao seu parecer (…). Clara é seguramente uma das figuras femininas mais nobres e encantadoras de que a história tem notícia.”

     Francisco deixou Clara conduzir sua experiência a seu modo. Não foi muito a São Damião respeitando sempre a originalidade e a sacralidade íntima daquele lugar. Continuemos com Omer Englebert:

      “Se, por vários anos, São Francisco deixou de percorrer com a mesma assiduidade de antes o caminho que leva da Porciúncula a São Damião, foi sobretudo para instrução dos seus: “Não penseis, dizia aos que o censuravam, que meu amor por irmã Clara e suas companheiras tenha diminuído, mas é que devo servir-vos de exemplo. O ministério das irmãs somente devem exercê-lo aqueles que tenham demonstrado, através de longa experiência, possuir o espírito de Deus”. E para que entendessem seu pensamento, lhes contou a seguinte parábola:

      Um rei enviou dois embaixadores à rainha. Quando regressaram e prestaram contas de sua missão, o príncipe lhes perguntou que impressão tiveram da rainha.
- Senhor, respondeu o primeiro, tendes deveras uma mulher formosíssima. Feliz daquele que possa ter uma semelhante!
- E tu, que pensas da rainha? Perguntou ao segundo.
- Impressionou-me, respondeu, a atenção com que escutava as instruções que lhe transmiti de sua parte.
- E não a achaste bela?
- Senhor, é a vós que cabe julgar a respeito disso; a mim não cabia outra coisa senão transmitir-lhe vossa mensagem. O rei emitiu então esta sentença:
- Teus olhos são castos, disse ao que acabava de falar, e quero recompensar-te: daqui para adiante permanecerás comigo. Quanto a ti, disse ao indiscreto que havia pousado seus olhares impúdicos sobre a rainha, sai daqui e não voltes jamais a macular o meu palácio com a tua presença.


      “Se já os reis da terra têm tais exigências, acrescentou Francisco, que pureza de olhar não tem direito de exigir Cristo daqueles que ele envia junto às suas esposas!”

        Parece, ademais, que o Santo não mortificou suas filhas além da justa medida. Os Fioretti relatam que um dia consentiu em convidar Clara para um jantar em Santa Maria dos Anjos. Tratava-se de um favor que a abadessa de São Damião há tempo procurava em vão obter. Confiou sua causa aos amigos mais caros de Francisco, que também eram seus, os quais foram dizer ao Santo:

- É excessivo e contrário à caridade divina o rigor com que recusas atender ao desejo de Clara, virgem tão piedosa e cara ao Senhor. Não esqueças que, afinal, ela é tua plantinha espiritual e que foram tuas exortações que a tiraram das ilusões do século.
- Então, pensais que devo jantar com ela?
- Seguramente! E ainda que te pedisse muito mais, tu devias lho conceder.
- Pois bem, se este é vosso parecer, concordo convosco. E para que seja maior o contentamento de nossa irmã Clara, tomaremos a refeição aqui na Porciúncula. Pois há muito tempo que ela vive reclusa em São Damião e nada poderá agradar-lhe mais do que rever o lugar de seus esponsais com o Senhor.

        No dia combinado, Clara chegou acompanhada de outra irmã. Com humildade e devoção venerou primeiro a imagem de Nossa Senhora dos Anjos que dominava o altar onde outrora ela havia recebido o véu e cortado seus cabelos; em seguida, enquanto chegava a hora da refeição, visitou o eremitério até os últimos recônditos. Francisco, que, segundo seu costume, fizera servir a mesa sobre o chão, sentou ao lado dela; os demais tomaram seus respectivos lugares e todos se dispuseram a comer. Mal, porém, haviam tomado os primeiros bocados, Francisco se pôs a falar de Deus e todos foram arrebatados em êxtase.

        Logo, uma multidão acorreu ao convento. Eram habitantes de Assis, de Bettona e arredores que, vendo chamas sobre o bosque, acreditavam ter irrompido um grande incêndio em Santa Maria dos Anjos, e vinham para apagá-lo. Mas puderam constatar que não havia dano algum. Quando, ao entrar na sala do banquete, encontraram Francisco e os demais comensais com as mãos juntas e os olhos fixos no céu, compreenderam que as chamas que pensaram ver eram as do amor divino em que ardiam aqueles santos personagens; e retiraram-se edificados e confortados.

       Acrescentam os Fioretti que foi tal a abundância de consolações espirituais, que São Francisco, Santa Clara e os demais irmãos mal tocaram nos alimentos, e vários deles não provaram sequer bocado”.

        Não são apenas as necessidades provenientes da fome do alimento material que reúne pessoas à mesa. As pessoas que se amam muito precisam celebrar o encontro onde o único alimento é a sintonia, a vibração interior, o espírito comum, a vivência do mesmo projeto de vida e a mesma busca do Amado.

       A Fraternidade alimenta-se da presença; no coração do outro e da outra vive a sua transcendente experiência:

       “Nunca existiu união mais íntima e harmoniosa do que entre Santa Clara e São Francisco; nunca duas almas estiveram tão de acordo na sua maneira de apreciar as coisas da terra e do céu. Por vezes se pergunta qual dos dois copia o outro; tanto se parecem os seus traços e seus reflexos que tal semelhança parece resultar de uma espécie de consangüidade espiritual. O ideal do Pobrezinho se conservou sempre puro naquele coração filial que guardava inalterável o depósito de suas mais belas inspirações e, qual límpido espelho, refletia sua mais fiel imagem. Por isso, nas horas de desalento e de trevas, veremos Francisco regressar aos humildes muros de São Damião, berço de sua vocação, para buscar junto à sua filha espiritual o consolo e a confiança de que necessita”.

        Francisco e Clara ensinam para nós que o humano se define em relações. Encontrar-se é dividir e transmitir o fervor existencial que contagia o coração. O encontro puro e límpido de Clara e Francisco está dentro de uma forte vivência, por isso é um dom gracioso. O forte Amor pelo mesmo Amado aprofunda o encontro e coloca os dois nos acontecimentos do cotidiano com maior profundidade. Isso é que ilumina o silêncio, a fala, a mesa, o fato. A chama do Amor se debruça sobre a cena para comemorar a experiência do encontro; não é só um encontro que ilumina, mas que acende!

Por Frei Vitório Mazzuco Filho

Fonte: http://franciscanos.org.br/?p=5242

As mãos de Clara

Santa Clara de Assis

Leituras próprias franciscanas: 

Oséias 2, 16-17b,21-22;  2Coríntios 4,6-10.16-18;  João 15,4-10

 (Inspirado em  Les mains de Claire, de  Irmã Marie-France Becker, Clarissa)

Clara, irmã Clara,

    Menina ainda, estendias as mãos para os pobres. Imitavas a solicitude de Deus que  gostavas de chamar de “Pai das misericórdias”.  Tuas mãos abertas recolhiam as graças de Deus para depois derramá-las sobre as pessoas mais sofredoras da terra. De tuas mãos sempre correu o bálsamo que reconforta, cura e consola.
     Com tuas mãos, em toda simplicidade, realizavas tarefas simples e humildes. Tuas mãos limpavam as cadeiras das irmãs doentes. Preparavam o recipiente que era entregue aos frades esmoleres que iam  buscar óleo na cidade.  Tuas mãos lavavam os pés  das irmãs que serviram fora do mosteiro.  Esperando a volta delas perfumavas a água com plantas odoríferas.  Tuas mãos aliviavam o cansaço das irmãs que chegavam exaustas.
      Durante a noite, tuas mãos cobriam as irmãs  que corriam o risco de se resfriarem.  Com suavidade e delicadeza elas tocavam  o corpo das irmãs para que se levantassem para participar do ofício.
     Vejo-a nos dias de tua vida trabalhando com as mãos em finos tecidos, fazendo toalhas para as igrejinhas abandonadas.  Vejo-as preparando sanguíneos e corporais  para que  Santíssimo Sacramento fosse honrado da melhor maneira possível.
      Tuas mãos  traçam a cruz na fronte de Irmã Amada que estava doente. Com tuas mãos tomas o cibório com  o Corpo do Senhor e afugentas os sarracenos que querem invadir a casa.  Vejo tuas mãos escrevendo textos e cartas, texto da Regra e cartas para Inês de Praga.  Tuas mãos se abrem para receber a Regra aprovada pela Igreja.
         Benditas as tuas mãos, Irmã  Clara.

Frei Almir Ribeiro Guimarães

Fonte: http://franciscanos.org.br/?p=65223